Depois daqueles dias cheios onde você não para um minuto ao longo da rotina, ainda sou obrigado a fazer uma pequena corrida para não perder o ônibus para casa. Para variar ele esta lotado e tenho que ir em pé pendurado naquele ferro onde várias mãos passaram por ali. Estou com uma mochila que tem uma quentinha vazia e material da faculdade com livros e anotações, a essa altura do fim do dia a mochila pesa uns cem quilos e fico na esperança de alguma alma caridosa ter a gentileza de oferecer uma ajuda para segurar minha mochila, pois em pé é cruel. Nada, ninguém. Por ironia estamos passando pela rodoviária onde tem as palavras do profeta Gentileza que diz “gentileza gera gentileza”, mas pelo visto nesse ônibus a única gentileza é quando o motorista para no ponto certo.

Tento escutar um som no meu radinho, mas sempre com receio de que algum maluco aventureiro venha roubar o ônibus, aí já era tem que dizer adeus ao rádio, celular, dinheiro e o que mais você carregar de valor pros noiados da vida.

O ‘cata-corno’ passa por Manguinhos, uma das favelas mais cruéis do Rio, e sobe uns três moleques descalços, com camisa maior que eles e com um olhar vazio pedindo por misericórdia, apenas crianças. Um deles começa a falar: “sou o Douglas, mais conhecido como beijoqueiro”, nesse instante ele começa a cumprimentar os passageiros, dando e recebendo beijos. Vi ali uma simpatia incrível e muita sinceridade em suas palavras que dizia: “infelizmente sou obrigado a pedir uma ajuda, pois como muitos, não tenho condições para ter uma vida melhor, não roubo e não uso drogas por isso prefiro pedir uma ajuda”. Essas palavras tocaram meu coração, pois vi uma real sinceridade e espontaneidade na sua atitude para falar com as pessoas, apenas uma criança dentre as milhares largadas por aí. Pego algumas moedas e dou a ele, o garoto me agradece com um beijo e desce alguns pontos depois. Não sei se dei com a intenção de ajudá-lo ou apenas para me sentir melhor, mas tanto faz que diferença faz.

O trajeto do ônibus já é conhecido, todas as curvas os locais repetidos, as mesmas pessoas que pegam o mesmo ônibus no ponto de sempre e descem no mesmo ponto de sempre. Uma mesmice só, que saco. É impressionante que apesar de tudo isso sempre acontece coisas bizarras no coletivo. É a velha que grita para o piloto parar no ponto em vez de puxar a corda do sinal, os vendedores ambulantes vendendo suas bugigangas e estragadores de dentes, e a grande quantidade de gente pedindo apenas uma carona para o motorista. Esses caras são foda, parece uma máfia. Em vez de receber a passagem eles pedem um “café” e abrem a porta de saída para você entrar, eu não ligo, porque prefiro fortalecer o cobrador e o motorista do que o dono da empresa que já esta com o rabo cheio de dinheiro. Enfim é assim que funciona o “jeitinho brasileiro”. Ainda bem que desço no ponto final então posso dar uma cochilada sem me preocupar de passar do ponto. Mas é foda, tem que ficar com um olho no padre e outro na missa.

Fecho meus olhos e fico imaginando como seria se eu pudesse voar. Sem engarrafamento, chegando cedo em casa, sem perigo de assalto, sem gente reclamando, enfim sem stress. Pela janela do ônibus olho os carros e vejo pessoas sozinhas com seus vidros fechados por causa do ar condicionado, ouvindo sua música na rádio preferida, mas sempre cautelosos por causa de assaltos. Quanta desigualdade, enquanto essa lata de sardinha esta lotada fica uma galera tirando onda nos seus carros de IPVA caro movidos a gás. Foda-se, um dia eu também vou ter a minha, a minha droga de aluguel que vou ficar tão dependente que vai me matar aos poucos, seja por uma bala na cabeça ou por uma doença circulatória que essa droga vai fazer eu adquirir com o sedentarismo moderno.

Senta uma mina muito style do meu lado, provavelmente vindo da faculdade também. Penso em puxar uma conversa ingênua, mas que tem um fundo de interesse. Falar sobre o que? O tempo? Perguntar as horas? Reclamar do ônibus? Não, são muito comuns esses assuntos. E se ela tiver namorado? E se for lésbica? E se ela esta muito cansada e não esta afim de um chato querendo puxar conversa. Que bosta, fiquei nesse conflito de indecisões e ela faz sinal para descer, será que deixei um possível amor escapar por uma insegurança minha? Pelo menos estou chegando a casa, faço a contagem regressiva para a chegada em minha cama. Olho para trás e como sempre sou o único a restar dentro do ônibus. O motorista fala com o cobrador sobre a rotina de trabalho desejando um bom descanso ao final de mais um dia. Cumprimento o piloto e sigo o caminho, mais um dia, o mesmo caminho, mas sempre com histórias diferentes, curiosas, tensas e quem sabe um dia prazeroso. Apenas mais um, mais um dia comum.

Jonas Candido

Dezembro/2008